23 março, 2012

Chuva de fim de tarde

Só quando começou a chover, percebeu que esquecera o guarda-chuva em cima da mesa de vidro de sua sala normalmente bagunçada no fim do expediente às sextas-feiras. Mas já caminhava cerca de 15 minutos, e se voltasse para buscá-lo, seria a mesma circunstância de continuar andando até chegar em casa, todo molhado. Então preferiu seguir em frente. Os passos, ora aceleravam, ora diminuíam, tudo ia de acordo com a velocidade daqueles pingos gelados e incessantes. Foi quando, do outro lado da avenida, entre carros e motos e outras pessoas, notou que alguém caminhava ainda mais rápido que os seus próprios passos. Braços segurando o próprio corpo e, volta e meia, jogando a fina franja molhada pra trás, era assim que ela seguia sua apressada trajetória. Olhou pra ele também e sentiu a sensação de que o conhecesse de algum lugar, ou que pelo menos já o teria visto em algum lugar, talvez na cafeteria da esquina ou mesmo na livraria que havia inaugurado há umas três semanas. Como de praxe, ela entrou na padaria para comprar seu pedaço de torta de limão com calda de chocolate e ele mais que depressa atravessou a rua.
Torta de limão é mesmo incrível. –Ele falou como quem não tem o que dizer, mas anseia puxar assunto.
A calda de chocolate, nesta aqui, é que faz a diferença, e, portanto minha preferida. - Ela sorriu meio sem graça. Não tinha o costume de falar nem sorrir para desconhecidos, mas se sentiu à vontade pra falar de uma simples preferência sua.
Vou esperar a chuva passar. Já basta a sinusite, pegar um resfriado agora não ia cair bem.
É, definitivamente não estou a fim de passar o final de semana inteiro de cama. Vou esperar também.
E ficaram imóveis, mudos e centrados apenas nas poças d’água que se formavam no chão.
Enquanto isso milhões de memórias norteavam a mente dele, não sabia seu nome, endereço ou telefone, mas queria de alguma forma ficar perto dela, oferecer seu casaco azul-marinho que estava perdido em sua mochila, mesmo sem saber ao certo se ela gostava de azul, mas pensou que a cor não seria o mais importante naquele momento, queria também arrumar sua franja molhada, e levá-la em casa, e dar-lhe um abraço e, se talvez não fosse pedir muito, dar-lhe-ia um beijo também. E fecharia sua porta. E dormiria feliz. E no outro dia ligaria para saber como ela está e se aceitaria o convite de irem juntos ao cinema no final da tarde. E logo após, tomariam um cappuccino na cafeteria da esquina, a melhor da cidade. E voltariam felizes pra casa. E os outros dias se resumiriam também em telefonemas, saudades, encontros. E lembrou-se de um trecho da sua música preferida de Maroon 5 – “Ask her if she wants to stay a while and she will be loved...” – e não teve coragem de perguntar absolutamente nada.
Um sorriso leve desenhou os lábios da moça, como quem diz ‘estou indo’, e estava indo mesmo. Agora chuviscava, apenas.
Espere, espere, será que eu posso ao menos... – Mas percebeu que já era tarde ou estava distante demais para articular algum pedido, gesto, palavra, sequer. Talvez, quem sabe – pensou - ela esteja aqui amanhã novamente, para comprar um pedaço de sua torta preferida. E por coincidência forçada minha, eu também esteja aqui, nem que seja para passar a chuva.
Tomara que chova amanhã.


11 março, 2012

O tempo que precisei

Não, eu não quero te iludir e nem te machucar. Mas precisei desse tempo para rever a mim mesma. Foi necessário e continua sendo. Eu constantemente lembro de você, sinto tua falta, ainda escuto aquela música que você disse ser nossa, e sinto saudades. Gosto de tudo que você me deu, principalmente daquele colar com um pingente de trevo, que talvez tenha sido intencionalmente pra dar sorte, não sei. Estou ciente que nosso ciclo é precisar um do outro, de uma maneira que só a gente conhece. Eu te preciso hoje, você me precisa amanhã, depois de amanhã a gente flui.
O problema é que estou numa fase meio-desinteressada-das-coisas. E das pessoas. Não quero ser cobrada, não quero dar satisfações, não quero fazer alguma coisa por vontade de alguém, nem deixar de fazer por esse motivo também. Não quero fazer nada por obrigação. Não quero discutir, não quero brigar. Não quero sentir ciúmes, não quero ver todo dia, falar todo dia. Não quero me prender. Acontece que ultimamente tenho pensado muito em mim, e esta foi a melhor maneira de me sentir bem. Pense em você, se sinta bem também. E vamos deixar que as coisas aconteçam naturalmente, sem exigências, sem pressa. O amor não tem pressa. Eu também não. Que tudo aconteça quando tiver que acontecer, no momento certo.
Não vou desistir da gente, até porque nos conhecemos há anos, e anos não são dias, anos são momentos e momentos fazem história. Eu tenho uma história com você e de uma forma ou de outra, vamos dar continuidade a ela.
Sonhei com você hoje. Você estava tendo um ataque de ciúmes, o que não é novidade pra mim. Mas também estava lindo, e o seu sorriso brilhava depois que eu te pegava pela mão e dizia que você estava sendo bobo demais agindo assim, e nos dávamos o melhor abraço do mundo. E acordei lembrando do dia que você disse que estaria do meu lado sempre, não importando os apesares que provavelmente surgiriam.
Então pensaremos que esse tempo é apenas um 'apesar'. E que independente de qualquer coisa, a gente vá seguindo em frente, sempre com a nossa secreta harmonia.


07 março, 2012

Trecho de 'Visita' em O Ovo Apunhalado

"... E procurasse o cheiro dele pelos cantos do quarto, e o chamasse com dor pelo nome, o nome que teve, antigamente, e nada encontrasse, porque tudo se perde e os ventos sopram levando as folhas de papel para longe, para além das janelas entreabertas sob o telhado onde não restam mais migalhas para os pássaros que não vieram nunca. Mas não choro, mesmo que de repente me perceba no chão, buscando uma marca de sapato, um fio de linha ou cabelo, os cabelos dele caíam sempre, ele os jogava sobre os telhados pelas tardes, repetindo nunca mais, nunca mais, e acreditávamos que um dia seríamos grandes, embora aos poucos fossem nos bastando miúdas alegrias cotidianas que não repartíamos, medrosos que um ridicularizasse a modéstia do outro. (...) Tudo passou e é inútil continuar aqui, procurando o que não vou achar, entre livros que não me atrevo a abrir para não encontrar o seu nome, o nome que teve, e certificar-me de que a vida é exatamente esta, a minha, e que não a troquei por nenhuma outra, de sonho, de invento, de fantasia, embora ainda o escute a dizer que compreende que alguns outros devem ter sentido a mesma dor, e a suportaram, mas que esta dor é a dele, e não a suportaria, e saber que tudo isso se perdeu como o calor do chá de jasmins esquecido sobre o piano, e então."

Caio Fernando Abreu


06 março, 2012

Acorda amiga.
Chega uma hora da vida que você tem que desapegar. De certas coisas, certas pessoas, certos costumes. E se provavelmente você não fosse assim tão afetiva, seria bem mais fácil.