Só quando começou a chover, percebeu que esquecera o guarda-chuva em cima da mesa de vidro de sua sala normalmente bagunçada no fim do expediente às sextas-feiras. Mas já caminhava cerca de 15 minutos, e se voltasse para buscá-lo, seria a mesma circunstância de continuar andando até chegar em casa, todo molhado. Então preferiu seguir em frente. Os passos, ora aceleravam, ora diminuíam, tudo ia de acordo com a velocidade daqueles pingos gelados e incessantes. Foi quando, do outro lado da avenida, entre carros e motos e outras pessoas, notou que alguém caminhava ainda mais rápido que os seus próprios passos. Braços segurando o próprio corpo e, volta e meia, jogando a fina franja molhada pra trás, era assim que ela seguia sua apressada trajetória. Olhou pra ele também e sentiu a sensação de que o conhecesse de algum lugar, ou que pelo menos já o teria visto em algum lugar, talvez na cafeteria da esquina ou mesmo na livraria que havia inaugurado há umas três semanas. Como de praxe, ela entrou na padaria para comprar seu pedaço de torta de limão com calda de chocolate e ele mais que depressa atravessou a rua.
– Torta de limão é mesmo incrível. –Ele falou como quem não tem o que dizer, mas anseia puxar assunto.
– A calda de chocolate, nesta aqui, é que faz a diferença, e, portanto minha preferida. - Ela sorriu meio sem graça. Não tinha o costume de falar nem sorrir para desconhecidos, mas se sentiu à vontade pra falar de uma simples preferência sua.
– Vou esperar a chuva passar. Já basta a sinusite, pegar um resfriado agora não ia cair bem.
– É, definitivamente não estou a fim de passar o final de semana inteiro de cama. Vou esperar também.
E ficaram imóveis, mudos e centrados apenas nas poças d’água que se formavam no chão.
Enquanto isso milhões de memórias norteavam a mente dele, não sabia seu nome, endereço ou telefone, mas queria de alguma forma ficar perto dela, oferecer seu casaco azul-marinho que estava perdido em sua mochila, mesmo sem saber ao certo se ela gostava de azul, mas pensou que a cor não seria o mais importante naquele momento, queria também arrumar sua franja molhada, e levá-la em casa, e dar-lhe um abraço e, se talvez não fosse pedir muito, dar-lhe-ia um beijo também. E fecharia sua porta. E dormiria feliz. E no outro dia ligaria para saber como ela está e se aceitaria o convite de irem juntos ao cinema no final da tarde. E logo após, tomariam um cappuccino na cafeteria da esquina, a melhor da cidade. E voltariam felizes pra casa. E os outros dias se resumiriam também em telefonemas, saudades, encontros. E lembrou-se de um trecho da sua música preferida de Maroon 5 – “Ask her if she wants to stay a while and she will be loved...” – e não teve coragem de perguntar absolutamente nada.
Um sorriso leve desenhou os lábios da moça, como quem diz ‘estou indo’, e estava indo mesmo. Agora chuviscava, apenas.
– Espere, espere, será que eu posso ao menos... – Mas percebeu que já era tarde ou estava distante demais para articular algum pedido, gesto, palavra, sequer. Talvez, quem sabe – pensou - ela esteja aqui amanhã novamente, para comprar um pedaço de sua torta preferida. E por coincidência forçada minha, eu também esteja aqui, nem que seja para passar a chuva.
Tomara que chova amanhã.